Archive for the ‘verve’ Category

um silêncio de cada vez

dezembro 8, 2009

Poesia: estado
de mudo analfabetismo
bem organizado.

sem fio

março 14, 2009

Tem a menina Suelen, que mora nas bandas do outro lado e anda sempre de cá para lá com o seu exemplar do meu Carrossel. Um desses dias deixou na minha caixa de correio uma versão alemã. Deu no que deu:


Unerwartet

Wenn das Leben plötzlich Magie werdt
wird wichtig das lebt sein
am alltägmöglichsten

Wäsche waschen
Haare schneiden lassen
von reich sein träumen
oder verrückt
(das Ganze noch
wenig ist)

um der Eindruck zu haben
da es immer sich lohnet


Reconheci a criança mais pelo corpo que pela voz. Não foi descaso, isso não faço, princípio. Meu alemão, mein Freund, é que é nulo. Mas nada de satisfeitices, pensei comigo, e logo manejei uns cliques e encaminhei. Destino? O amigo Rogério. Ele é referência (a única que tenho além da garotinha) na língua da salsicha bock, e pedi que trouxesse de volta ao berço a tal missiva, coisa rápida. Expliquei pouco, aleguei curiosidade e pouca ciência, ele fez:


Inesperado

Quando a vida torna-se mágica repentinamente
se torna importante viver
o mais rotineiro possível

lavar a roupa
cortar o cabelo
sonhar ser rico
ou louco
(a coisa toda ainda
é pouco)

a fim de se ter a impressão
que é sempre lucrativo


Disso resulta algo como um enteado, priminho caolho daquele da página 34.

“Lucrativo”? Dizer eu não diria, mas gostei da brincadeira. Achei espanto, fagulha, beijo na bochecha, confusão de olho.

E digo mais: deu vontade de um abraço em cada um, retribuinte.

Que pago pouco, isso não escondo, mas pago sempre com o coração.

cada um com sua Sibéria

janeiro 16, 2009

Depois de trocar as frentes frias da Argentina por uma especialmente congelante da Sibéria, embarco amanhã no Eurostar e faço minha primeira viagem subaquática de trem. Aproveito a temática férrea e compartilho o longo trecho que traduzi da longuíssima Prosa do Transiberiano (no original, La Prose du transsibérien et de la petite Jehanne de France), do Blaise Cendrars, 1912. É só o início, só, iniciozinho, mas já dá pra ter uma idéia do clima e da fluidez da coisa.


A PROSA DO TRANSIBERIANO

Naquele tempo eu estava na adolescência
Eu tinha apenas dezesseis anos e já não me lembrava
Mais de minha infância
Eu estava a 16.000 léguas do lugar de meu nascimento
Eu estava em Moscou, na cidade dos mil e três campanários e das sete estações
E não me bastavam sete estações e mil e três torres
Pois minha adolescência era tão ardente e tão louca
Que meu coração, alternadamente, ardia como o templo de Éfeso ou como a Praça Vermelha de Moscou
Quando o sol se põe.
E meus olhos iluminavam caminhos antigos.
E eu era já tão mau poeta
que não sabia ir até o fim.

O Kremlin era como um imenso bolo tártaro
Com cobertura de ouro,
Com as grandes amêndoas das catedrais todas brancas
E o ouro melífluo dos sinos…
Um velho monge me lia a lenda de Novgorod
Eu tinha sede
E eu decifrava caracteres cuneiformes
Depois, de repente, as pombas do Espírito Santo voavam sobre a praça
E minhas mãos voavam também, com barulhos de albatroz
E isso eram as últimas reminiscências do último dia
Da derradeira viagem
E do mar.

No entanto, eu era péssimo poeta.
Eu não sabia ir até o fim.
Eu tinha fome
E todos os dias e todas as mulheres nos cafés e todos os copos
Eu teria desejado bebê-los e quebrá-los
E todas as vitrines e todas as ruas
E todas as casas e todas as vidas
E todas as rodas das carruagens que giravam em turbilhão sobre as pedras ruins
Eu teria desejado moer todos os ossos
E arrancar todas as línguas
E liquefazer todos esses grandes corpos estranhos e nus sob as roupas que me enlouquecem…
Eu pressentia a vinda do grande Cristo vermelho da revolução russa…
E o sol era uma ferida ruim
Que se abria como um braseiro.

Naquele tempo eu estava na adolescência
Eu tinha apenas dezesseis anos e já não me lembrava mais de minha infância
Eu estava em Moscou, onde eu queria me nutrir de chamas
E não me bastavam torres e estações que constelavam meus olhos
Na Sibéria ribombava o canhão, era a guerra
A fome o frio a peste a cólera
E as águas limosas do Amor carregavam milhões de carcaças
Em todas as estações eu via partirem os últimos trens
Ninguém podia mais partir pois não se vendiam mais passagens
E os soldados que se iam teriam tanto desejado ficar…
Um velho monge me cantava a lenda de Novgorod.

Eu, o mau poeta que não queria ir a lugar algum, eu podia ir a qualquer lugar
E também os comerciantes ainda tinham dinheiro suficiente
Para irem tentar fazer fortuna.
Seu trem partia todas as sextas de manhã.
Dizia-se que havia muitos mortos.
Um trazia cem caixas de despertadores e de cucos da Floresta Negra
Um outro, caixas de chapéus, cilindros e um sortimento de saca-rolhas de Sheffield
Um outro, caixões de Malmö cheios de latas de conserva e de sardinhas em óleo
Depois havia muitas mulheres
Mulheres, entrepernas de aluguel que também podiam servir
Caixões
Todas elas eram patenteadas
Dizia-se que havia muitos mortos para lá
Elas viajavam com desconto
E todas tinham uma conta corrente no banco.

Ora, uma sexta de manhã, foi enfim a minha vez
Era dezembro
E parti eu também para acompanhar o viajante joalheiro que se dirigia a Harbin
Nós tínhamos dois assentos no expresso e 34 baús de jóias de Pforzheim
Bugiganga alemã “Made in Germany”
Ele tinha me dado roupas novas, e subindo no trem eu havia perdido um botão
– Eu me lembro, eu me lembro, pensei nisso com frequência desde então –
Eu deitava sobre os baús e estava tão feliz de poder brincar com o browning niquelado que ele também havia me dado

Eu estava tão feliz confiante
Eu me sentia brincando de salteador
Nós havíamos roubado o tesouro de Golconda
E nós íamos, graças ao transiberiano, escondê-lo do outro lado do mundo
Eu devia defendê-lo dos ladrões do Ural que haviam atacado os saltimbancos de Júlio Verne
Dos tungúsicos, os boxers da China
E os raivosos pequenos mongóis do Grande-Lama
Ali Babá e os quarenta ladrões
E os fiéis do terrível Velho da Montanha
E sobretudo, dos mais modernos
Os ratos de hotel
E os especialistas dos expressos internacionais.


LA PROSE DU TRANSSIBÉRIEN

En ce temps-là j’étais en mon adolescence
J’avais à peine seize ans et je ne me souvenais
Déjà plus de mon enfance
J’étais à 16.000 lieues du lieu de ma naissance
J’étais à Moscou, dans la ville des mille et trois clochers et des sept gares
Et je n’avais pas assez des sept gares et des mille et trois tours
Car mon adolescence était si ardente et si folle
Que mon coeur, tour à tour, brûlait comme le temple d’Éphèse ou comme la Place Rouge de Moscou
Quand le soleil se couche.
Et mes yeux éclairaient des voies anciennes.
Et j’étais déjà si mauvais poète
que je ne savais pas aller jusqu’au bout.

Le Kremlin était comme un immense gâteau tartare
Croustillé d’or,
Avec les grandes amandes des cathédrales toutes blanches
et l’or mielleux des cloches…
Un vieux moine me lisait la légende de Novgorode
J’avais soif
Et je déchiffrais des caractères cunéiformes
Puis, tout à coup, les pigeons du Saint Esprit s’envolaient sur la place
Et mes mains s’envolaient aussi, avec des bruissements d’albatros
Et ceci, c’était les dernières réminiscences du dernier jour
Du tout dernier voyage
Et de la mer.

Pourtant, j’étais fort mauvais poète.
Je ne savais pas aller jusqu’au bout.
J’avais faim
Et tous les jours et toutes les femmes dans les cafés et tous les verres
J’aurais voulu les boire et les casser
Et toutes les vitrines et toutes les rues
Et toutes les maisons et toutes les vies
Et toutes les roues des fiacres qui tournaient en tourbillon sur les mauvais pavés
J’aurais voulu les plonger dans une fournaise de glaives
Et j’aurais voulu broyer tous les os
Et arracher toutes les langues
Et liquéfier tous ces grands corps étranges et nus sous les vêtements qui m’affolent…
Je pressentais la venue du grand Christ rouge de la révolution russe…
Et le soleil était une mauvaise plaie
Qui s’ouvrait comme un brasier.

En ce temps-là j’étais en mon adolescence
J’avais à peine seize ans et je ne me souvenais déjà plus de ma naissance
J’étais à Moscou, où je voulais me nourrir de flammes
Et je n’avais pas assez des tours et des gares que constellaient mes yeux
En Sibérie tonnait le canon, c’était la guerre
La faim le froid la peste le choléra
Et les eaux limoneuses de l’Amour charriaient des millions de charognes
Dans toutes les gares je voyais partir les derniers trains
Personne ne pouvait plus partir car on ne délivrait plus de billets
Et les soldats qui s’en allaient auraient bien voulu rester…
Un vieux moine me chantait la légende de Novgorode.

Moi, le mauvais poète qui ne voulais aller nulle part, je pouvais aller partout
Et aussi les marchands avaient encore assez d’argent
Pour aller tenter faire fortune.
Leur train partait tous les vendredis matin.
On disait qu’il y avait beaucoup de morts.
L’un emportait cent caisses de réveils et de coucous de la Forêt-Noire
Un autre, des boîtes à chapeaux, des cylindres et un assortiment de tire-bouchons de Sheffield
Un autre, des cercueils de Malmoë remplis de boîtes de conserve et de sardines à l’huile
Puis il y avait beaucoup de femmes
Des femmes, des entre-jambes à louer qui pouvaient aussi servir
Des cercueils
Elles étaient toutes patentées
On disait qu’il y avait beaucoup de morts là-bas
Elles voyageaient à prix réduits
Et avaient toutes un compte-courant à la banque.

Or, un vendredi matin, ce fut enfin mon tour
On était en décembre
Et je partis moi aussi pour accompagner le voyageur en bijouterie qui se rendait à Karbine
Nous avions deux coupés dans l’express et 34 coffres de joaillerie de Pforzheim
De la camelote allemande “Made in Germany”
Il m’avait habillé de neuf, et en montant dans le train j’avais perdu un bouton
– Je m’en souviens, je m’en souviens, j’y ai souvent pensé depuis –
Je couchais sur les coffres et j’étais tout heureux de pouvoir jouer avec le browning nickelé qu’il m’avait aussi donné

J’étais très heureux insouciant
Je croyais jouer aux brigands
Nous avions volé le trésor de Golconde
Et nous allions, grâce au transsibérien, le cacher de l’autre côté du monde
Je devais le défendre contre les voleurs de l’Oural qui avaient attaqué les saltimbanques de Jules Verne
Contre les khoungouzes, les boxers de la Chine
Et les enragés petits mongols du Grand-Lama
Alibaba et les quarante voleurs
Et les fidèles du terrible Vieux de la montagne
Et surtout, contre les plus modernes
Les rats d’hôtel
Et les spécialistes des express internationaux.

casmurrando

novembro 26, 2008

É meu o trecho número 78 do projeto Mil Casmurros, que consiste em aproveitar a modernidade e propor uma leitura coletiva de Dom Casmurro, um trecho por pessoa via webcam, totalizando, evidentemente, mil pessoas. Não sei o quanto a coisa ficará boa como um todo, se vai virar uma obra autônoma e apreciável (ou estou exigindo demais?), nem se será um grande estímulo à leitura, mas acho bacana qualquer iniciativa que faça a literatura circular entre pessoas das mais diversas, dos totais desconhecidos ao mestre Ferreira Gullar (trecho 563), passando pelos pêlos do Tony Ramos, que abre a leitura, por japoneses e gremistas, pela peruca loira da Ana Maria Braga, minha vizinha do 79, e pelo ROMÁRIO, que se fosse um pouco mais esperto teria escolhido o último trecho, e não o 86, já que o gol mil foi aquela piada sem graça. Mas se não for nada disso, ao menos é uma maneira um pouco mais palpável (e, sobretudo, próxima das pessoas comuns) de preservar o patrimônio artístico e cultural, além, é claro, de proporcionar uma diversão sem fim no quesito caça-aos-famosos, que fica cada vez melhor à medida que os trechos vão sendo preenchidos.
Para quem se interessar, minha gagueira-inquieta-balançante-virtual acompanhada de tradução está bem aqui.

petite plainte

outubro 2, 2008

o proble-
ma é que nin-
guém pergun-
ta sobre sen-
sação e efei-
tos de mo-
rar em ou-
tro hemis-
fério

(fora isso:
sem mistério)

deslumbre-me

setembro 24, 2008

Cortar as unhas me deu a sensação de morar verdadeiramente em Paris. Jogá-las pela janela, então, foi a integração completa. Ok, je rigole. Em menos de uma semana é impossível estar totalmente adaptado, e nesse espírito qualquer trajeto é feito deliciosamente a pé, tudo com jeito de descoberta e um pouco de dor nas pernas no final do dia. Mesmo já tendo estado aqui antes, ou justamente por isso, todos os lugares me dizem muitas coisas diferentes, seja uma lembrança (do que da outra vez conheci ou deixei de), uma informação histórica, uma comparação inevitável, uma tentativa de conversão ao judaísmo ou uma vontade de ficar só-olhando-mesmo. Mas todos, todos esses lugares insistem em dizer que moro aqui, e que tanto Louvre, Notre-Dame e Tour Eiffel quanto mercadinhos árabes, farmácias e açougues fazem parte de um mesmo contexto (esses últimos, aliás, é que dão à coisa toda o aspecto de vida real, e não turismo prolongado) e podem ser medidos por um único sistema referencial que é o meu (nosso) apartamento. Pompidou? Aqui do lado. Place des Vosges? Pega a rua de trás e segue reto, chega em dez minutos. Rue de Rivoli, não esqueçam, logo ali. E é assim que uma outra língua, um outro tipo de tomada e uma outra umidade relativa do ar vão começando a fazer parte da vie quotidienne. Enquanto meus lábios racham, chers amis, eu racho o bico.

tempo ou falta de

agosto 25, 2008

Sei, ando meio em falta por aqui, porém a especulação imobiliária parisiense e a defesa de trabalhos acadêmicos são ótimos bodes expiatórios, por isso não falei como foi legal ter tomado banhos de chuva ininterruptos em São Paulo, não pela chuva em si mas por São Paulo ser assim meio Lucília, meio Lorena, duas queridas que me lembram Paris, e por sinal Paris é logo ali. Também não falei do Rio e de como é um lugar propício à piada interna conjugal, nem do fato de autografar na Livraria da Travessa de Ipanema enquanto o David Lynch autografava na do Leblon, nem de ser o único poeta a participar de um evento dedicado exclusivamente à prosa na Baratos da Ribeiro, que, por sinal, não fica assim logoalidáprairapé como haviam insinuado, de brinde a travessia pedestre e barulhenta do túnel entre Botafogo e Copacabana. E nessas de tradução juramentada, passagem aérea, projeto de doutorado e correspondência que não chega, o passado recente já é quase passado passado, o presente é meio que um limbo-para-o-futuro-próximo, um verso que outro tenho anotado a lápis na Moleshhhka, e a vida fica meio despedida, meio desapego, meio insônia, meio euforia, e com quatro meios virei dois, coisa que seria ótima para o momento. Acabo nem conseguindo dizer que defendo minha dissertação dia 3 de setembro, o que já não sei mais se é futuro do pretérito ou presente do subjuntivo.

vocabulário

agosto 8, 2008

Amanhã, ainda aqui em São Paulo, participo (Não-participamos) desse evento organizado pelo Chacal, pelo Marcelino Freire, pelo Marcelo Montenegro e pelo Paulo Scott. O cartaz tri massa não deixa ninguém perdido.

vide verso

julho 31, 2008

às vezes
me invento
davi no divã
e às vezes
divido
minhas dúvidas
em dádivas

devido
às dívidas
me evado:
às vezes
me esquivo
e às vezes
me escavo

meu verso:
um revide
à vida
que me invade
ávida mágoa
como água
fervida

poema no balão

julho 18, 2008